publicado: 17/07/2022 00h00,
última modificação: 18/07/2022 11h12
Abate de jumentos entre 2019 até 2021 teve um crescimento de 200%, colocando os ambientalistas em alerta - Foto: Foto: Branco Lucena/Arquivo A União
Por Beatriz de Alcântara*
A raça brasileira dos jumentos, também conhecida como “jumento pêga”, corre risco de extinção em decorrência do abate acelerado com o objetivo de exportação do couro do animal, itens que possuem alta demanda no mercado exterior. De 2019 até 2021, o volume de abates de equídeos no Brasil cresceu em 200% e esse percentual é ainda maior se comparado os períodos de 2010 a 2014 com 2015 a 2019, onde o crescimento registrado foi de 8.000%. Os dados são do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O risco de extinção tem sido pauta recorrente dos ambientalistas e a discussão chamou atenção, inclusive, da Câmara dos Deputados, que no final do mês passado iluminou a casa com o tom laranja em prol da preservação desses animais.
Esses animais, classificados como do tipo asinino, compondo o grupo dos equídeos, a família equiade e o gênero equus, possuem grande importância para o país, principalmente para a região Nordeste. O jumento é considerado um animal resistente, sendo muito utilizado para transporte de carga e pessoas, além de que, no Brasil, a raça é adaptada às condições como o clima árido e seco – ou temperaturas mais frias, como as da região Sul do país.
Conforme informações disponibilizadas pelo Mapa, o abate de animais como os jumentos é realizado, no país, após estes chegarem aos abatedouros regularizados com a Guia de Trânsito Animal, que atesta o controle de saúde animal. “Essa guia é emitida pela Secretaria de Estado da Agricultura de origem dos animais. A partir da chegada, a empresa faz uma verificação da origem e das condições de transporte e o auditor fiscal federal agropecuário, médico veterinário, realiza os procedimentos de inspeção antes e post mortem desses animais”, explicou o Ministério.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2011 e 2017 essa população animal teve queda de quase 40%. Em 2019, o número de equídeos – jumentos, cavalos e burros – abatidos foi de 33.090 e em 2021 foram registrados 123.669, de acordo com os dados do Mapa. O total do ano passado correspondeu a pouco mais do que o número de abates verificados entre 2011 e 2016, reforçando o aumento da prática sob Serviço de Inspeção Federal (SIF) no Brasil.
Vale ressaltar que esse número não contempla a realização de abates ilegais, obviamente, e também não inclui a quantidade de animais mortos por doenças e/ou acidentes. Ou seja, a considerar as agravantes, o número de mortes de jumentos é ainda maior do que o observado pelo Ministério da Agricultura.
Na Paraíba, segundo dados da Secretaria de Estado do Desenvolvimento da Agropecuária e Pesca, existem 111.609 animais registrados, entre equinos, asininos e muares. O estado não possui abatedouro oficializado e o órgão não possui conhecimento de nenhum local que realize esse abatimento de forma clandestina.
Para o gerente-executivo de Defesa Agropecuária da Sedap, Tadeu Nóbrega, o jumento e os asininos, de maneira geral, são importantíssimos para o produtor rural, justamente em razão de sua atuação no setor de carga e transporte. “A preservação desses animais é muito necessária, primeiro, por essas razões de carga, transporte e apoio para o produtor rural, e segundo por ser um animal resistente às estiagem, (sendo facilmente adaptável às condições climáticas da região)”, apontou ele.
Figura popular no meio cultural e religioso
A importância desses animais também vai além do dia a dia do produtor rural, como mencionado pelo gerente executivo da Sedap. O jumento é uma figura que se popularizou também dentro do viés cultural e religioso do Brasil e do mundo.
Atrelado ao transporte de pessoas, o animal tem reconhecimento bíblico por ter carregado Jesus Cristo durante sua entrada na cidade de Jerusalém – que marca o início do período também conhecido como “Paixão”. A história conta que Jesus mandou dois discípulos para uma aldeia no caminho em que estavam fazendo, onde encontrariam uma jumenta presa e um jumentinho junto com ela, e recomendou que lhe trouxessem. “Dizei à filha de Sião: Eis que o teu Rei aí te vem, manso, e assentado sobre uma jumenta, E sobre um jumentinho, filho de animal de carga”, trecho dos versículos quatro e cinco, do capítulo 21 do livro de Mateus.
O animal também foi mencionado anteriormente na Bíblia, no livro de Zacarias, capítulo nove versículo nove, quando o profeta anunciou que o chamado “rei de Israel” viria “humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta” (Zc 9:9).
Culturalmente, o jumento também ganha menção em, por exemplo, letras de música, como de Luiz Gonzaga e Chico Buarque. Em “o Jumento é nosso irmão”, o rei do Baião aponta virtudes e características do animal, como no trecho “ele tem tantas virtudes, ninguém pode ‘carcular’, conduzindo um ceguinho, porta em porta a mendigar. O pobre vê, no jubaio, um irmão pra lhe ajudar”.
Além disso, há um trecho da música que também faz menção à presença do jumento nas histórias bíblicas. “Na fuga para o Egito, quando o julgo anunciou, o jegue foi o transporte que levou nosso Senhor. ‘Vosmicê’ fique sabendo que o jumento tem valor”, cantou Gonzagão.
Já Chico colocou em sua canção o papel do jumento para o sertanejo, como animal de carga, além de pontuar outras características do bicho. “Jumento não é o grande malandro da praça, trabalha, trabalha de graça, não agrada a ninguém, nem nome não tem. É manso e não faz pirraça, mas quando a carcaça ameaça rachar, que coices que dá. (...) O pão, a farinha, o feijão, carne seca, quem é que carrega? (...) Limão mexerica, mamão, melancia, a areia, o cimento, o tijolo, a pedreira, quem é que carrega? (...)”, diz trecho de “O Jumento”, música de Chico Buarque.
O perigo de animais soltos nas estradas
A presença de animais, como o jumento, nas estradas pode não causar infrações administrativas, mas existe contravenção penal, de acordo com o inspetor Matheus Santos, da Polícia Rodoviária Federal da Paraíba (PRF-PB). No artigo 31 da Lei nº 3.688/1941 está especificado que “deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso”, sob risco de pena de 10 dias a dois meses ou multa.
Quando o órgão identifica animais abandonados nas rodovias, é acionado o serviço de recolhimento e guarda de animais, quando disponibilizados pelas prefeituras, e também o caminhão boiadeiro PRF, quando há uma escala ou serviço específico para recolhimento. “Quando não há possibilidade de acionar o serviço de recolhimento ou boiadeiro PRF, as equipes manejam os animais para um lugar seguro para impedir que eles voltem para as rodovias”, completou Santos.
Em 2022, até o final do mês de junho, mais de 1.440 animais foram recolhidos e quase 500 foram encaminhados aos currais municipais ou privados pela PRF-PB. Ao todo, também foram atendidas mais de 500 ocorrências relacionadas.
Dentre os principais riscos do abandono desses animais na pista, incluindo os jumentos, estão: os acidentes de trânsito, desde o atropelamento do animal até um capotamento ou algo mais grave. “Para o pedestre, os animais podem interferir no deslocamento”, destacou Santos.
A PRF realiza rondas 24 horas por dia a fim de identificar animais soltos que possam causar risco à população. “Há também em andamento a Operação ‘Pista não é Pasto’ em todo o estado, onde a PRF atua com escala de boiadeiro dedicada a recolhimento de animais nas rodovias federais”, observou o inspetor.
De acordo com Matheus Santos, quando for possível, as pessoas podem “manejar o animal para uma área segura, acionar o serviço de recolhimento de animais da sua cidade, caso exista”. Nas rodovias federais, “ligar no 191 acionando a PRF para que o animal seja manejado, recolhido e identificada a sua propriedade”, orientou.
*Matéria publicada originalmente na edição impressa de 17 de julho de 2022.
Fonte: A União
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