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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Como os jumentos mudaram o curso da história humana

Dhananjay Khadilkar - BBC Future

1 fevereiro 2023

Os jumentos tiveram importância surpreendente no comércio, na religião e nas guerras ao longo da história humana

Eles são mais conhecidos pela sua notável capacidade de carregar cargas pesadas e pelo seu comportamento tenaz - quase estoico - com relação ao trabalho.

Em algumas partes do mundo (incluindo o Brasil), o jumento foi injustamente associado a expressões de insulto ou deboche.

No entanto, em uma aldeia francesa a cerca de 280 km a leste de Paris, arqueólogos fizeram uma descoberta que está ajudando a reescrever grande parte do que sabemos sobre esses pouco valorizados animais de carga.

No local de uma vila romana na aldeia francesa de Boinville-en-Woëvre, uma equipe desenterrou os restos de diversos jumentos que teriam feito a maioria das espécies que conhecemos hoje em dia parecerem anões.

"Eram jumentos gigantes", afirma Ludovic Orlando, diretor do Centro de Antropobiologia e Genômica de Toulouse, da Faculdade de Medicina Purpan, na França. "Esses espécimes, geneticamente ligados aos jumentos da África, eram maiores do que alguns cavalos."

Orlando lidera um projeto que sequenciou o DNA dos esqueletos dos jumentos. Era parte de um estudo muito maior para rastrear a origem da domesticação dos jumentos e sua subsequente expansão para outras partes do mundo. Sua pesquisa fornece informações surpreendentes sobre a história da nossa própria espécie, por meio de sua relação com esses versáteis animais.

Segundo Orlando, os jumentos que foram criados na vila romana em Boinville-en-Woëvre mediam 1,55 metro (ou 15 mãos, seguindo a unidade de medida da altura dos cavalos) do solo até a cernelha - uma parte saliente entre as escápulas dos animais.

A altura média dos jumentos atuais é de 1,30 metro (12 mãos). Os únicos jumentos modernos que podem chegar perto dessa altura são os jumentos-mamutes-americanos, que são machos excepcionalmente grandes, muitas vezes usados para reprodução.

Jumentos gigantes como os encontrados em Boinville-en-Woëvre podem ter desempenhado um papel importante, mas menosprezado, na expansão do Império Romano e nas suas tentativas posteriores de manutenção do território, segundo Orlando.


Os jumentos foram domesticados pela primeira vez a partir de asnos selvagens, cerca de 7 mil anos atrás, no leste da África. Eles podem ter ajudado os seres humanos a adaptar-se ao aumento da aridez no continente africano

"Entre os séculos 2° e 5°, os romanos os criavam para a produção de mulas [pelo cruzamento dos jumentos com éguas], que desempenhavam um papel importante no transporte de mercadorias e equipamento militar", explica ele. "Embora estivessem na Europa, eles eram criados e misturados com jumentos provenientes do oeste africano."

Mas as mudanças do destino do Império Romano provavelmente fizeram com que essa espécie gigante também desaparecesse.

"Se você não tiver um império com milhares de quilômetros de extensão, você não precisa de um animal que carregue mercadorias por distâncias enormes", afirma Orlando. "Não havia incentivo econômico para continuar produzindo mulas."

Adaptação a mudanças climáticas


Para descobrir como os jumentos cumpriram seu papel na história humana, uma equipe internacional de 49 cientistas de 37 laboratórios sequenciou os genomas de 31 jumentos antigos e 207 modernos de todo o mundo. Usando técnicas de modelagem genética, eles conseguiram rastrear as mudanças da população de jumentos ao longo do tempo.

Eles descobriram que os jumentos, muito provavelmente, foram domesticados em primeiro lugar a partir dos asnos selvagens - provavelmente, por pastores - cerca de 7 mil anos atrás no Quênia e no Chifre da África. É um pouco mais cedo do que se acreditava anteriormente, mas o mais surpreendente talvez seja que os pesquisadores também concluíram que todos os jumentos modernos que vivem hoje em dia aparentemente descendem daquele mesmo evento de domesticação.

Estudos anteriores indicaram que pode ter havido outras tentativas de domesticação de jumentos no Iêmen.

E é interessante observar que a primeira domesticação de jumentos no leste africano coincidiu com a desertificação do Saara, que, um dia, foi uma área verde.

O enfraquecimento repentino das monções, cerca de 8,2 mil anos atrás, combinado com o aumento da atividade humana com pastagem e queimadas, gerou queda das chuvas e o aumento gradual do deserto e da região do Sahel. Os jumentos domesticados podem ter sido fundamentais para que os humanos se adaptassem a esse ambiente cada vez mais hostil.

"Acreditamos que, devido às mudanças climáticas, as populações [humanas] locais tenham precisado se adaptar", afirma Orlando. "Em jumentos, eles poderiam promover um serviço essencial de transporte de grandes quantidades de carga por longas distâncias e em cenários difíceis."

Eles observaram que, aparentemente, a população de jumentos também diminuiu dramaticamente após sua domesticação inicial, para depois sofrer outro forte crescimento.

"Isso é típico da domesticação e observado em algum momento, em quase todas as espécies domesticadas", afirma Evelyn Todd, geneticista da população do Centro de Antropobiologia e Genômica de Toulouse, que também participou do estudo.

A redução é o resultado da seleção de um conjunto específico de jumentos para domesticação, enquanto sua posterior reprodução contribui para seu forte aumento.

As análises indicam que os jumentos aparentemente se espalharam a partir do leste da África, tendo sido comercializados para o Sudão e, dali, para o Egito, onde foram encontrados restos de jumentos em sítios arqueológicos datados de até 6,5 mil anos atrás. E, nos 2,5 mil anos seguintes, essa nova espécie domesticada espalhou-se por toda a Europa e a Ásia, desenvolvendo as linhagens que encontramos hoje em dia.

Leia mais em: BBC






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